segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

O Baralho



Dissera à ele que o Sol brilhava quase que no mesmo compasso de seu coração.

Tinha duas cartas na manga. O décimo segundo Arcano Maior vinha em dança, vinha louco. E vinha um Sem Número.
Num trunfo trocado, vem com os pés para o alto. Vem com os pés pelas mãos.
Num instante, parado, fez-se imensidão.
Num girar em sua órbita, já não era sol. Era óbito: era noite, e era dia.

Eram anos, numa translação. Numa transmutação: de pequenas rotações.
De pirações impessoais. De giração. De gerações.

Fez-se massa, fez-se um todo.
De um povo emproado - uma gota que cai no mar.

Dissera à ele que o Sol brilhava, e que sua luz tem o exato compasso de seu coração.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

A Hóstia Maior

Paira sobre minha cabeça
Teu todo feminino alento
Vens com teu brilho, clareza
Suavizar do peito o sofrimento

Reluz o fogo fomentador
Em minha eterna inaptidão de poeta
Arrisco versos, idílio meu
Fiz-me admirador, se fez profeta

Vens mulher, forte e suave
Afagar o desejo derradeiro
Vens com manto puro e limpo
Enxugar o pranto alheio


Diante da hóstia maior sublime
Vi resplandecer o teu olhar
Tens minha boca muda, humilde
Sei que não vens me enganar

Tens no sorriso formoso
Alegria de menina
Veio num gesto bondoso
Trazer boas novas à minha sina

Eu, de tão ébrio
Pecadora e toda crente
Vi meu futuro surgir
Sobre uma Lua sorridente.






quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Tentativa de Vôo nº

Arrumei tais bagagens que deveriam estar prontas há tempos.
Coloquei os sapatos. Fiquei defronte ao espelho.
Peguei minhas malas. Viajei para dentro.

domingo, 20 de novembro de 2011

Um Fora às Paredes

É possível observar nos olhos àquele mais experiente. Em seu passo preciso, sincero, despretencioso. Seu faro maduro. Orelhas atentas, ligeiras. Olhar sabido, fita-o de modo a te despir, à ensinar. E ensina.
- Vem das ruas, este maltrapilho!
Entre as paredes estão os gordos, os mimados, os infantis babados. Entre estas mesmas paredes, porém, latem. Latem feito covardes, com suas fuças entre as grades. Latem como quem pode. Late medíocre, o estúpido cão. Cão de rua não late!  
Estes mesmos estúpidos medíocres cães pulam, correm, brincam feito crianças. Feito tolos provam da imensidão do mundo. Até que chega a fome, o frio, o cansaço. - O que há de se fazer da vida?
Come a vulnerabilidade das ruas e caga seus instintos de proteção, o cachorro solto. 
O cachorro homem.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Papel Pardo

  

Não tenho tido complacência com toques pegajosos.
Mãos grudentas, sujas de mel frívolo de uma visão açucarada.
Covardemente, sutilmente, enganosamente: tenho cortado laços.
Laços, enfeites. Embrulhos, presentes. Passado e futuro.

Estava mais para Dalí. Não. Estava mais para Dadá.

Tenho tido eu, o cigarro e o que de mais fino restou, um vinho barato. Algumas citações de Caio em mente, embora no peito, Bukowski. Depois de algumas talvez e portanto, tomei a ousadia e o fiz.


Decidiu por tudo no papel. Da boca, fumaça.