sábado, 23 de fevereiro de 2013


Desde então, o relógio rodava lento e a cada hora fechada calculava vagamento sobre o que fazer pelas próximas horas, até que elas fechassem novamente, já que você não estava mais ali, nem do outro lado. E passava a hora pensando e fazendo coisa absurdas como olhar o celular por tantas vezes, como se isto bastasse para fazê-lo tocar e ver o seu nome ali, brilhando. E fico imaginando que, talvez se eu pensar bem forte em você, talvez do outro lado você também pense em mim. Às vezes tentava, inutilmente, como se fosse possível unir meu corpo ao teu, através de lembranças, estas, que doíam cada vez mais, seja por saudade, seja por mágoa, pelo amor que doei ou que deixei de dar. Lembrava de você dormindo, feito aquela música melosa da Legião, que só faz a gente pensar quando estamos assim. Às vezes concluo que era melhor ter ficado ali, abraçados daquele jeito, o cheiro do pescoço, ombros, peito, calada, agradecendo por aquele amor maroto que um dia já foi, ou era, e eu, ou nós, deixamos de ser.
Fui perdendo os modos, os gestos, as palavras, o bom tom, e tudo foi saindo meio desesperado como tem saído o pensamento, ou como tem entrado. E pairo flutuante na bolha do pensamento - densa, escura, chorosa, que entro e saio conforme gira a ciranda da roda da fortuna. A cabeça rodopiou, feito aquele símbolo louco, místico, esotérico, radiônico que me passaram, que coloquei minha própria cara adentro, como se estes cinco dias pudessem mesmo curar estes cinco anos.
Acho que não. Já faz cinco séculos que estou de frente ao relógio e ele não moveu um segundo.